O Supremo Tribunal Federal fixou, em julgamento concluído na primeira quinzena de junho, uma tese de repercussão geral que desloca para os Tribunais de Contas a palavra final sobre as prestações anuais de contas dos prefeitos. Ao julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 849, o Plenário decidiu que o parecer técnico dessas cortes passa a ter força vinculante: se o Tribunal de Contas aprova as contas, a Câmara não pode mais rejeitá-las; se reprova, o Legislativo tampouco poderá “salvar” o gestor por conveniência política. A Corte considerou que o modelo anterior, em vigor desde a Constituição de 1988, gerava insegurança jurídica porque permitia que decisões estritamente técnicas fossem revogadas ou chanceladas por acordos de circunstância entre vereadores e prefeitos, fenômeno apontado como recorrente sobretudo em cidades pequenas, nas quais o Executivo exerce forte influência sobre o Parlamento local.
A nova orientação alcança todos os 5 568 municípios do país. O relator, ministro Gilmar Mendes, sustentou que a Constituição atribui aos Tribunais de Contas “capacidade institucional para aferir a regularidade contábil, financeira, orçamentária e patrimonial” e que subordinar pareceres técnicos a uma votação política “esvaziava a lógica do controle externo”. Ainda segundo o voto vencedor, as Câmaras mantêm a prerrogativa de fiscalizar a execução orçamentária por meio de CPIs, convocações e pedidos de informação, mas perdem o poder de reformar conclusões dos auditores, o que “dissuade barganhas e retaliações” nas sessões de julgamento das contas.
A decisão repercute de imediato sobre centenas de processos em tramitação nos Legislativos municipais. Prefeitos que tiveram suas contas rejeitadas pelos Tribunais de Contas e revertidas nas Câmaras voltam a ficar inelegíveis, porque a desaprovação técnica — agora irrecorrível ao Parlamento — enquadra-os na Lei da Ficha Limpa; inversamente, gestores que contavam com recomendações favoráveis não correm mais o risco de ver o parecer derrubado por coalizões oposicionistas. Especialistas em direito público veem na mudança um reforço à transparência: “Ao tirar o julgamento das mãos da política local e entregá-lo a um órgão técnico, o STF eleva o grau de responsabilidade fiscal e afasta perseguições ou blindagens casuísticas”, avaliou a constitucionalista Ana Cecília Borges.
A Corte já vinha sinalizando essa inflexão desde fevereiro, quando reconheceu ser legítima a competência dos Tribunais de Contas para julgar atos de gestão praticados por prefeitos na qualidade de ordenadores de despesa. O novo entendimento consolida a supremacia técnica dessas cortes e exige que vereadores redimensionem seu papel: continuam obrigados a acompanhar a execução orçamentária, mas já não podem reescrever — por maioria simples, qualificada ou emendas — os laudos que atestam a regularidade ou a irregularidade das finanças municipais. Para os Tribunais de Contas, a medida impõe o desafio de acelerar análises e produzir pareceres ainda mais robustos, uma vez que se tornam a instância definitiva no crivo das contas públicas.